Idéias móveis

Vai lendo... vai lendo....
vai vendo... vai vendo....
e, se quiser, dizendo, acrescentando
que das idéias pululando, algo há de caber.

domingo, 24 de abril de 2011

Contos Incabados – Retrato sentido

Cansado de olhar para os lados, vasculho dentro, na esperança de gostar do que vejo.

Fudido, cansado, preguiçoso, o sem teto decidiu escrever, talvez na tentativa de passar o tempo, ou para refinar a dor, nem ele saberia dizer. Ou melhor, digitar – a inclusão digital permite que indivíduos que não tem onde cair morto possuam computador e até internet. Algo realmente o incomodava. Vasculhou dentro de si alguma coisa digna de ser “posta no papel”. Um sentimento qualquer, uma idéia latente... mas se achava vazio, e não conseguiu de súbito definir o que sentia como de costume, era diferente do vazio comum, já bem conhecido deste.

Até que distraído entre fotos e arquivos de textos passados, o playlist tocou uma música do greenday  que dizia “I walk the ‘Lonely Road’, the only Road that i have ever known”. Aquela frase muitas vezes ouvida repentinamente fez um enorme sentido. Percebeu em si a causa do sentimento constante que tanto o aborrecia e se fazia presente por tempo demais, por vezes demais: estava sozinho.

Era isso exatamente que sentia naquele momento. Foi tão reveladora a sensação, tão clara e concreta que ele quase podia tocá-la. Enquanto ela, recém descoberta, mostrava-se faceira em toda sua extensão.
A descoberta até o deixou feliz, mesmo assim, murcho, e ele achou isso meio doentio, além de triste. Mas sim, ficou feliz de saber o que o afligia, o que tirou seu sono na noite passada,e na anterior e o que o deixou quieto e pensativo nos raros momentos tranquilos durante o dia.

Terminou a noite sozinho, do jeito que havia começado o dia, do mesmo jeito que havia acabado as noites anteriores e com certeza mais algumas longas noites ainda por vir. A bendita estava minando sua vida social, seus contatos, seu brilho. O telefone não tocava, deixou de receber convites interessantes, parou de receber olhares e sorrisos salientes... sentia-se obsoleto, feito um carro velho remendado.

Antes que conseguisse pegar no sono “rabiscou” algumas coisas no PC. Uma espécie de brainstorm sentimental. E embora tenha gostado do que escreveu, isso não o fez sentir-se melhor em nada:

“Maldita companheira de todas as horas.
Deseducada feito uma adolescente rebelde.
Se faz ausente na chegada dos queridos,
Imediatamente instalada na falta destes.
Ou de qualquer um.

‘Personificação’ de tudo que mais teme o ser humano.
Silêncio e vazio.
Desolação de apetite insaciável.
Autoconsumo inacabável
Não me recordo de tê-la convidado a entrar”

Fechou os olhos, pensou na sua solidão e abraçou-a carinhosamente. Aprendeu há muito a abraçar os seus sentimentos, estudá-los, entende-los e dissecá-los. Assim poderia conviver melhor com ela, para quem sabe um dia expulsá-la pelos anos de aluguel não pago em seu peito.

Deitou-se cansado e aflito, torcendo por uma boa noite de sono, tão rara ultimamente. Adormeceu sem perceber, logo após a última lágrima, sentindo todo o peso de sua angústia o puxando para baixo, enquanto seu pensamento se fixava numa imagem do sentimento concretizado: a imagem de uma velha banguela e enrugada e de olhos tristes, sentada em frente a uma casa também velha e vazia como ela, às 5hs da manhã, ainda no escuro, na esperança de ver o sol raiar.

O retrato da solidão.

6 comentários:

  1. Eu que há tão pouco tinhas sentimentos tão loucos
    Cheguei a me questionar se valia à pena viver em meio a tantos turbilhões
    Senti-me completamente sozinha, apesar de saber que possuía muitos amores
    Nada parecia suficiente, nada era capaz de preencher o vazio que tanto doía
    No entanto, fiz as pazes com esta ausência, pois me percebi como parte do todo
    Um todo único em que cada alma é solitária, mas nunca está sozinha
    Somente este todo pôde me preencher, como esperado por sua própria definição...
    Se me disse com orgulho que esse dia chegaria para mim
    Estou certa de que chegará também para você, conseqüente de tamanha sensibilidade
    Orgulho-me muito de ser tão próxima desta alma poeta que tanto me encanta!

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  2. Parabéns pelo texto, Rodrigão! Ou melhor, parabéns pelo blog!

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  3. As vezes é como se tivéssemos um buraco negro no peito, que suga e destroi tudo que utilizamos para aplacar a dor, solidão ou o que quer que nos aflija.

    Parece que nada é capaz de nos preencher, suprir, satisfazer. Mas como todos os momentos, estes tb são transitórios.

    Thay e Aroldo, obrigado pelas palavras! Abraços.

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  4. saudade de um cara que andava sempre aqui em casa!
    abraço mata!

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  5. Lindo texto, nego!
    A princípio meio preocupante e assutador, mas pensando bem é tão comum... Todo mundo tem dias ou noites assim, mas são poucos que tem o dom de colocar em palavras sentimento tão complexos. Esse dom você tem, sem dúvida.
    Parabéns!!! E fica assim não, tah?!! RSRSRS...

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  6. Nega, se preocupa não viu? to bem. O texto foi só um pensamento pesado de um corpo cansado, numa noite de domingo.

    É sempre importante lembrar que a escrita é tb um exagero: o exagero dos sentimentos e pensamentos que ousam se tornar palavras, maquiadas ou não.

    Por vezes é bem possível que eu exagere ao escrever. fica mais digno de ser posto no papel ;)

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